Maister F. da Silva, Integrante do Front.
O pânico causado pela crise sanitária abala o mundo e, embora a maioria dos países esteja iniciando um processo de abertura gradual e retomada dos serviços, pessoas continuam perecendo. Pesquisas com vacinas curativas avançam, porém ainda não são uma realidade confiável, segundo afirmam especialistas da Organização Mundial da Saúde (OMS). Segundo os mesmos, vacinas curativas e preventivas podem demorar anos até que as testagens possam finalmente comprovar sua eficácia. Atender a demanda mundial é outro limitante, visto que os estoques de imunizantes para atingir a imunidade de rebanho são limitados e indisponíveis no curto prazo.
Neste ínterim, sob avanço do ultraconservadorismo, estados e capital se reorganizam. A política econômica neoliberal não foi sequer arranhada pela crise sanitária e emerge dos escombros da paralisação econômica ainda mais concentradora, globalizada e predatória. América Latina está no epicentro, concentrando mais de 50% dos casos da doença, o Brasil é o país mais influente da região, liderando as relações comerciais locais do continente, logo, o mais atingido. Com prejuízos econômicos de curto, médio e longo prazos, que terão impacto direto na vida de milhões de trabalhadores.
Para constar, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT) para a América Latina e o Caribe atualmente 158 milhões de trabalhadores estão na informalidade na América Latina. O número, que representa 54% dos 292 milhões que integram a força de trabalho local. O impacto que a pandemia trouxe à geografia do trabalho não impactou significativamente o bolso dos ricos e endinheirados. Bancos, empresas de tecnologia, gigantes dos alimentos e indústria farmacêutica continuam a figurar entre as empresas mais lucrativas. Os grandes capitalistas reorganizaram-se e adequaram-se à nova realidade, durante a pandemia. A reorganização produtiva foi acelerada, resta aos estados e aos trabalhadores o embate classista e o debate que definirá as leis e normas regulamentadoras.
O planejamento neoliberal pós-pandemia está centrado na ampla reorganização produtiva, automatizada, especulativa e financeirizada, mais agressiva e espoliadora. No Brasil, por exemplo, que fechou o ano de 2019 com 12,6 milhões de desempregados e hoje tem 12,8 milhões de pessoas na condição de desempregados, segundo dados da PNAD Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) e divulgados pelo IBGE, o vírus encontrou um estado destroçado por quatro anos de políticas neoliberais e sufocamento do orçamento público. A reestruturação produtiva neoliberal, assim como a crise, é globalizada, todavia, cada país precisa tomar suas próprias iniciativas para coibir a desestruturação da sua rede protetiva de empregos, seguridade social e rede socioassistencial, especialmente em períodos adversos como o que enfrentaremos amanhã.
O pesquisador urbano Guy Baeten escreveu “o clima neoliberal é tal que tornou uma política urbana aceitável não resolver os problemas dos bairros e populações pobres e sim eliminar esses locais”. Assim podemos interpretar como é conduzida a crise econômica e sanitária no Brasil. Ampliando a leitura de Baeten, o governo brasileiro adotou a conduta do “não é comigo”, condena os pobres e trabalhadores à própria sorte. Governo e Câmara Legislativa desprezam o rico momento que a pandemia propõe, de discutir os limites estruturais do estado brasileiro, tais como: política nacional de habitação, saneamento básico, tributação progressiva e ampliação e fortalecimento do SUS, por exemplo. Preferem colocar o estado como cúmplice e fiel depositário da política neoliberal, com Paulo Guedes à frente “passando a boiada”. Pobres, trabalhadores precarizados e donos de pequenos comércios são eliminados pelo vírus ou pelo desleixo opcional do governo.
Em nenhum momento da crise o presidente brasileiro agiu com a firmeza da maioria dos líderes mundiais que se impuseram perante o capital de forma inédita, em nome da saúde. Sempre titubeou e acenou ao mercado que não concordava com as medidas restritivas e a recomendação de médicos e especialistas. Ou seja, o mantra do liberalismo econômico foi a cartilha de agitação e propaganda do presidente, enquanto seus ministros mantiveram a agenda de retrocessos o quanto podiam, governando por decreto e/ou submetendo à Câmara Legislativa a regulamentação de medidas neoliberais, especialmente em áreas que beneficiam banqueiros e agronegócio.
Todavia, presidente e militares têm um projeto de longo prazo e já iniciaram a campanha eleitoral para 2022. Apesar das pesquisas, sabem que a figura do presidente sai da crise desgastada e contestada pela falta de capacidade administrativa durante a crise, a melhoria de sua aprovação perante o povo brasileiro deu-se baseada nos R$ 600,00 do auxílio emergencial, o que é conjuntural. Presidente e militares buscam anunciar algum programa de transferência de renda permanente que possam chamar de seu, provavelmente usando o setor religioso como vetor de capilaridade e parceria estratégica.
Paulo Guedes e a equipe econômica não parecem dispostos a frear a agenda neoliberal, o setor econômico do governo tem vida própria e aposta que seu projeto de poder não depende exclusivamente do bolsonarismo. São unânimes e desavergonhados em dizer que a agenda neoliberal segue após 2022 independente do projeto político triunfante nas eleições. Rentistas e financistas, predadores do orçamento público mantêm-se a espreita, como abutres que observam a queda de um moribundo. Nesse caso milhões de moribundos.