Ayrton Centeno, do Conselho Político do Front
Publicado originalmente em brasildefators.com.br
O mundo sairá da pandemia com maior polarização entre classes e entre países. É o que projeta o professor José Luis Fiori, do Programa de Pós-Graduação em Economia Política Internacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ao contrário de outros analistas, que prognosticam um quadro de maior equilíbrio, Fiori não é otimista quanto ao cenário pós-pandemia. “Uma epidemia não é sinal de que vá haver uma mudança para melhor”, observa. Este foi seu tema na teleconferência promovida pelo Front-Instituto de Estudos Contemporâneos. “Com tristeza, digo que não vejo nenhuma força que aponte na direção de um mundo mais humanitário na próxima década”, lamenta.
Autor de livros como O Poder Global e a Nova Geopolítica das Nações e Sobre a Guerra, o especialista não crê que o futuro depois da covid-19 possa alterar profundamente o que já estava em curso. “É provável que acelere o processo de implosão da União Européia”, cita, recordando as fissuras deixadas pela doença devido à falta de apoio da Europa à Itália quando encarou o momento mais duro da crise. “Vai ser difícil consertar a falta de solidariedade da Alemanha frente à tragédia italiana.”
Rússia vai disputar hegemonia na Europa
No meio disso tudo, a China seguirá seu caminho para se tornar a maior potência mundial do século. Haverá, acredita, agravamento do conflito China x Estados Unidos, entre a futura e a atual maior potência. Maiores importadores mundiais de petróleo, os chineses se beneficiarão da queda vertiginosa do preço internacional do produto, de US$ 75 para US$ 25 ou US$ 30 o barril.
Se para a China o petróleo barato será bom, para a Rússia, grande produtor e exportador, será o inverso. Mesmo assim, na análise de Fiori, a Rússia irá disputar a hegemonia da Europa. “Será – diz – uma oportunidade para que (Vladimir) Putin leve à frente o que estava fazendo”. Repara que o presidente russo está envolvido em uma batalha interna com a ala ultraliberal do país, procurando forjar uma estruturação econômica com o perfil daquela da China.
A direita e a renda mínima
Recorrendo às projeções do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional, comenta que o PIB mundial terá uma queda de, no mínimo, 4% neste ano. Mas poderá ser de até 8% com o desemprego tornando-se ainda mais severo do que após o crack da Bolsa de Nova York em 1929 e da Grande Depressão que se seguiu. Para o Brasil, de acordo com o FMI, o quadro é ainda mais sombrio, com o país sofrendo um tombo de 5% no seu PIB na melhor das hipóteses. No pior dos quadros, a queda poderá dobrar com uma crise se arrastando por dois ou três anos.
“As nossas elites vão ter que fazer coisas, contra sua vontade, que alguém lá adiante poderá chamar, talvez, de keynesianismo”, ironiza. Especula que “um congresso de direita” poderá, quem sabe, fazer uma política de renda mínima caso seja empurrado para isso após “uma explosão nas cidades”.
Pandemia não é guerra
Fiori questiona a comparação recorrente do combate à covid-19 com as guerras entre nações, notando que, das epidemias, não emerge nenhum vitorioso ou derrotado claro. E aponta outra diferença crucial: “Pandemias não tendem a provocar uma solidariedade e identificação simbólicas”, adverte. “Guerras, ao contrário, geram uma solidariedade entre indivíduos de uma mesma nação perante um inimigo identificado e visível”.
Se na pandemia todos são afetados, nas guerras quem não está sob fogo continua produzindo, “como aconteceu com os Estados Unidos na II Guerra Mundial”, registra.
Na sua visão, as epidemias não significam necessariamente grandes rupturas. A exceção foi a peste negra no século 14 que veio da Ásia, chegou à Europa e matou metade da população do continente. “Teve importância gigantesca no fim do sistema feudal”, acentua. A reação levou a um processo de centralização do poder para enfrentar a peste e de distanciamento social. “A nobreza da época queria se preservar. Os estados europeus nascem como uma reação egoísta frente ao desafio da peste negra”, entende.
A conta fica com os mais pobres
As ações violentas do governo Donald Trump, confiscando bens ou cobrindo valores já pagos por outras nações por respiradores, máscaras, kits de testagem e demais equipamentos não lhe deixam ilusões. “A pandemia força o comportamento egoísta que já estava no mundo, como provam as ações dos Estados Unidos diante de outros países e da OMS”, lembra.
Ele reconhece que “tanto a guerra quanto a pandemia exigem grandes rupturas nos padrões de comportamento das sociedades e das pessoas”, com a segunda também requerendo “medidas excepcionais e respostas coordenadas e estratégicas” como se fosse uma ameaça à Segurança Nacional. “Mas não provoca destruição física, em princípio, e atinge as populações de forma diferenciada. Ao contrário da guerra, atinge as pessoas, classes e países mais pobres.”
Reação egoísta
Tampouco acredita que, passado o perigo, as nações venham a se unir em busca de uma solução duradoura que possa evitar futuras crises. “Não há razão para presumir que os estados se reúnam para fazer algo como Bretton Woods”, avalia, fazendo referência ao acordo firmado por 44 países em 1944 para reconstruir o capitalismo ao final da II Guerra Mundial.
Fiori é cético quanto às reiteradas manifestações de boas intenções que a pandemia provoca. “Ela (a epidemia) tende a provocar uma retração, de cada um por si mesmo, por mais que as pessoas repitam o contrário na televisão”, sustenta. “Gera uma reação egoísta e não solidária. Há um impulso ético, mas a força biológica é maior”, considera.
Edição: Katia Marko
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