Diante da crise econômica global e da posição de fragilidade do Brasil no cenário econômico, o Front – Instituto de Estudos Contemporâneos perguntou como enfrentar esta crise?
Juliane Furno, doutoranda em economia (Unicamp), militante do levante popular da juventude e assessora parlamentar:
“Eu acho que a gente está vivendo um bom momento da economia brasileira, senão do ponto de vista do crescimento, sim do ponto de vista de pensar alternativas. Durante esses últimos anos pareceu se consolidar na imprensa oficial e nos próprios debates econômicos a ideia de que existe um caminho único. O único caminho para enfrentar um problema de déficit fiscal ou de queda no crescimento econômico seria fazer um conjunto de reformas pró-mercado, retomar a confiança dos investidores estrangeiros, reduzir o custo do trabalho, reduzir o custo para as empresas… Assim, automaticamente, através dos modelos macroeconômicos que a gente sempre vê nas faculdades e cursos de economia, o investimento voltaria, voltaria o emprego, retomaria o consumo e assim a gente retomaria uma trajetória normal, estabilizada, de crescimento econômico.
Acontece que essa política liberal de contração fiscal, de contração do gasto do Estado, principalmente do gasto primário social do Estado, ela tem se mostrado muito incólume. A economia brasileira está de certa forma fadada a esta trajetória de crescimento em torno de 1% e 1,5% porque a nossa capacidade de aumento do crescimento econômico, que é dada pela capacidade de expansão produtiva está completamente freada. Ou seja, com a queda dos investimentos estatais, de certa forma a queda do investimento privado, a Emenda Constitucional 95, elas colocam blindagens ao aumento da capacidade produtiva nacional, ou seja, ao aumento da capacidade de oferta de mercadorias. Então a gente vai ter um crescimento em algum medida puxado pelo consumo das famílias, isso por uma situação criada pela liberação do saque do FGTS ou de taxas de juros mais baixas, e no máximo alguma relação com a maior exportação em detrimento das importações. A nossa margem de crescimento é muito baixa já que os principais mecanismos indutores do crescimento econômico, como a ação do Estado, o investimento público e a política fiscal elas estão criminalizadas ou se tornaram ilegais pelas regras fiscais atuais. Então agora a gente vive um impasse que é não só a capacidade mediana / baixa de crescimento estrutural da economia brasileira como um novo componente externo que recoloca a necessidade de pensar alternativas. Ou seja, aquele modelo que garantia uma taxa de 1%, ainda baixa mas um crescimento, ela se exauriu.
Frente a isso o governo tem apresentado como saída pra crise que tem vindo e vai se agravar com o coronavírus, com a queda do preço do petróleo e a própria contração internacional, ele diz assim “a gente precisa acelerar o conjunto de reformas, isso vai nos possibilitar sair dessa crise e retomar o crescimento econômico, ainda que baixo mas pelo menos positivo”. A gente tem identificado que as reformas mesmo se tivessem capacidade de retomar o crescimento econômico, pois a gente tem apontado que o conjunto de reformas como a da Previdência, a do teto dos gastos, agora a reforma administrativa e a trabalhista, elas nem tem condições de retomar o crescimento porque elas são na verdade de contração da base monetária. Elas retiram renda, e ao retirar renda elas inibem o consumo que é a principal variável do PIB.
Mas vamos supor, no mundo ideal, que essas reformas consigam galgar essa posição de retomada da confiança externa e de aumento do crescimento econômico, mesmo assim elas são políticas de longo prazo. Mesmo se as reformas tivessem esse potencial, talvez a tributária tenha um pouco mais, elas são reformas que vão ter resultados daqui há 3 ou 4 anos. Mas nós precisamos de ações imediatas no curto prazo. Quer dizer, do nosso ponto de vista, dos economistas progressistas, heterodoxos, a gente avalia que uma medida para a saída da crise, uma medida mais estrutural, seria a de retomar os investimentos públicos, principalmente os feitos pelo Estado. Acontece que esta também é uma saída estrutural e de longo prazo. Mesmo que agora a gente libere o investimento da regra fiscal, do gasto primário do Estado, e vá construir estradas, hospitais, escolas, ainda assim a maturação desses investimentos também vai ser mais a longo prazo. Então a gente precisa de políticas imediatas, no curto prazo, que consigam barrar, frear ou dirimir os efeitos nefastos dessa situação internacional.
A primeira delas pode ser através de créditos suplementares. Ou seja, uma alternativa de aumento do gasto, que pode ser feito por exemplo pro SUS e para outras áreas sociais, que não estão nas regras fiscais, por isso é possível driblar essa regra fiscal pra ter crédito suplementar para o SUS. com isso vai precisar contratar gente, contratar máquinas e equipamentos, infraestrutura, e isso tem possibilidade de acelerar a dinâmica econômica porque está vinculado ao gasto.
Além disso, ao invés de a gente construir novas obras de infraestrutura, a gente poderia liberar o investimento da Emenda Constitucional 95, ou seja, uma medida que permita que esse gasto possa aumentar acima da inflação, pra retomar obras paradas. Então isso teria um efeito imediato possibilitando a geração de emprego, ocupação da capacidade ociosa e criando demanda para a indústria.
Políticas de transferência de renda, pois esta tem um efeito imediato. Se você aumenta a base monetária, aumentando a transferência de renda para as famílias mais pobres, principalmente as que estão no cadastro único do governo, você coloca liquidez imediata na mão das pessoas que vão imediatamente, por suas várias restrições de consumo, consumir, gerar demanda e garantir que o mercado interno fique relativamente aquecido nesse momento.
E por fim a utilização, mais uma vez como foi feito na crise de 2008, das empresas estatais. As empresas estatais têm condição de aumentar o investimento num período em que as empresas privadas, pela sua lógica de mercado, vão contrair o investimento. Por exemplo, a Petrobrás investir, demandar da indústria, demandar da grande cadeia de fornecedores que ela tem, Eletrobrás e outras empresas, na medida em que são capitalizadas e são autorizadas a investir neste período, também tem o efeito imediato de curto prazo de garantir que a gente não entre na recessão da forma que provavelmente a gente vai entrar com essa política desastrosa de segurar o gasto público mesmo no momento em que a economia está entrando em recessão mundial”.