O Investimento em infraestrutura praticamente paralisado, dilapidação do patrimônio público, atraso recorrente no pagamento dos servidores, hospitais fechando ou diminuindo sua capacidade de atendimento pelo atraso no repasse de verbas para a saúde, segurança pública em colapso. A crise econômica é real e afeta cotidianamente a vida da população gaúcha. O Rio Grande do Sul é um estado à beira do caos? Qual a saída para a crise? Essas são perguntas que o FRONT busca responder nesta nova série, ouvindo pesquisadores e militantes engajados em buscar saídas a altura deste que foi um dos primeiros estados a utilizar o Estado como indutor de desenvolvimento, ainda que desigual e concentrador. O ex-governador do Rio Grande do Sul Tarso Genro é o primeiro entrevistado desta série.
O Rio Grande do Sul foi um dos primeiros estados a construir um caminho próprio voltado para o desenvolvimento econômico e social, na primeira República. Em que momento este projeto foi abandonado e por quê?
Na verdade não há um momento que se possa datar, de abandono, pois o que ocorreu foi um processo de substituição nacional, de uma economia agro-exportadora para uma economia industrial com fortes traços de substituição de importações e, finalmente -para “colaborar” com a acumulação rentista já em curso- a proibição da taxação das exportações do agronegócio. Acho que os Governos militares, em particular, tiveram um papel expressivo em sufocar as economias industriais vinculadas às elites regionais, estimulando decisões a partir do Governo Central, que incidiam sobre o Brasil, como se todo o Brasil fosse São Paulo.
Nos últimos anos, a economia gaúcha organizou-se quase que definitiva e exclusivamente para a produção do agronegócio exportador que, por um lado, tem pouco valor agregado e, por outro, é isento de tributação pela Lei Kandir, logo não compartilha crescimento com o restante do Estado. Ainda, há um Estado dilapidado por privatizações e endividado nacionalmente, portanto, sem condições ideais de intervir como agente de desenvolvimento. Como e qual modelo de desenvolvimento construir nestas condições? Ou como superar este círculo vicioso?
Pode se operar em três níveis: primeiro, com políticas específicas de caráter regional, de modo a proporcionar um processo de acumulação local, baseado em “nichos” de negócios, empresas industriais, cooperativas ou não, pequenas e médias empresas agroecológicas e de serviços, dentro dos quais o Estado possa ser competitivo, em termos nacionais e globais; segundo, abrindo relações de intercâmbio internacional, para regimes de colaboração específicos -em cada ponto do globo- com países que tenham interesses geopolíticos e geoeconômicos na região onde estamos situados; terceiro, apostar em polos locais de excelência, na produção científico-tecnológica
Porto Alegre foi um berço de think thanks liberais desde a década de 80, influenciando muitos dos novos movimentos liberais de hoje. Também já foi a vitrine do projeto petista, cujo auge foi o Fórum Social Mundial. Considerando ainda que a tendência político-eleitoral do estado não adere a extremos alterando-se, ora a esquerda, ora a direita. Quais seriam os projetos e respectivas forças políticas em disputa hoje no RS?
Hoje, a disputa fundamental é se o Estado vai se consolidar como uma máquina de apoio ao projeto global liberal-rentista, sendo governado para os credores da dívida pública, ou se vai alavancar um modelo específico de desenvolvimento e governança política democrática para, pelo menos em parte, adiantar alguns traços de um modelo socioeconômico novo para ser consolidado depois que esta farra destrutiva do neoliberalismo terminar … sem esquecer que este novo modelo vai se construir sobre escombros.
Em 2018 a China foi responsável por mais de 29% das exportações gaúchas, caracterizando-se como o principal parceiro comercial do RS. Sendo a China um país disposto a fazer investimentos em infraestrutura, indústria de transformação e tecnologia, tratados de cooperação nesse sentido não seriam uma saída de curto e médio prazo para combater a crise estabelecida no Estado?
Sem dúvida, mas sem exclusividade. Penso que o ideal seria abrir um leque de colaborações internacionais, mutuamente complementares, para que não fiquemos reféns apenas de uma economia forte, mundialmente estabelecida. O Grande problema que temos para isso é o enfraquecimento das nossas indústrias locais (e nacionais) e a crise de financiamento do Estado nacional, que, por seu turno, pressiona os estados federados para que sejam meras instâncias de pagamento da dívida pública. Quando terminei o meu Governo -por exemplo- tínhamos baixado o estoque da dívida do RS, mas, depois, os neoliberais de turno, ao vencerem a eleição com Sartori e golpearem contra Dilma, já novamente aumentaram brutalmente a nossa dívida pública…