O Brasil ocupa o posto de terceira maior retração industrial, segundo levantamento do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI), considerando dados de 30 países ao longo de 50 anos. Se na década de 1970, o setor industrial era responsável por 30% do PIB brasileiro, hoje ele é responsável por pouco mais de 10%, o que torna o país líder em desindustrialização precoce. Diferente da Austrália e Reino Unido, primeiros colocados no ranking, o Brasil não acompanhou o processo de desindustrialização com aumento do PIB per capita ou investimento tecnológico. Resultado de décadas de políticas econômicas liberalizantes, a desindustrialização afeta diretamente a ocupação de mão-de-obra e aprofunda a dependência internacional do país. Os dados de queda da produção industrial em 0,7% nos primeiros cinco meses de 2019 confirmam a tendência de desindustrialização da economia brasileira. Para tratar deste tema, o Front ouviu economistas para traçar um diagnóstico e apontar saídas.
O primeiro entrevistado desta série é o professor de economia da Unicamp Marcio Pochmann.
Hoje fala-se muito em economia de serviços e de um novo ciclo econômico baseado no uso do aprendizado de máquinas. Há ainda possibilidade histórica dentro do capitalismo para um novo ciclo de industrialização no Brasil? Ou no estágio de desenvolvimento atual é necessário abandonar esta referência e o pensar um outro parâmetro de desenvolvimento?
O Brasil não tem saída de médio e longo prazo sem um processo de reindustrialização, porque a indústria é a coluna vertebral do próprio desenvolvimento. Não há experiência histórica de país que tenha se desenvolvido sem a presença da indústria. No Brasil atual, nós praticamente abandonamos a industrialização, o que não significa a não existência de indústrias. Há indústrias, mas elas não se configuram como centro dinâmico da expansão da nossa economia. Portanto, a industrialização é fundamental para se pensar um país que possa ser desenvolvido. Não significa, necessariamente, voltarmos para a experiência da industrialização passada, porque estamos falando de um novo paradigma tecnológico, de uma nova relação entre países, mas não há dúvida que, ao abandonar a sua industrialização, o país praticamente exclui parcela de sua população do acesso a bens industriais. Porque sem industrialização não tem como atender a demanda de setores de menor renda que não conseguiram universalizar o acesso a bens industriais. Sem industrialização, a única alternativa que restaria seriam as importações, mas dada as escalas, não há condições de financiar uma importação brutal de bens industriais por exportação de bens de baixo valor agregado, como o Brasil atualmente vem se especializando.
Que tipo de possibilidades a ascensão da China como centro de um novo polo de acumulação no oriente abre para a retomada da industrialização no Brasil?
Estamos vivendo uma época que, guardada as devidas proporções, se assemelha à década de 1930, quando o Brasil enfrentou uma grave depressão global, que foi a de 1929, e simultaneamente havia uma disputa entre duas nações pela centralização do desenvolvimento mundial, que eram Alemanha e os Estados Unidos. A Segunda Guerra Mundial contribuiu para definir, com a derrota da Alemanha, que o centro do mundo capitalista seriam os Estados Unidos. E o Brasil, ao longo da década de 30, através da liderança de Getúlio Vargas, terminou exercendo um trabalho importante no relacionamento tanto com os Estados Unidos quanto com a Alemanha, na tentativa de obter o melhor resultado no engajamento do Brasil em uma ou outra economia. E foi importante a negociação realizada por Getúlio quando, ao aderir aos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial, isso veio acompanhado da liberalização do acesso à tecnologia de setores importantes, como foi o caso da produção siderúrgica, no qual havia uma série de restrições à possibilidade do Brasil se industrializar tendo como base a siderurgia. Então, naquele momento, a capacidade do governo brasileiro de abrir esta negociação trouxe muitos êxitos para o país.
Guardada as devidas proporções, estamos vivendo uma situação similar. Os Estados Unidos – hoje uma potência decadente, mas ainda a principal economia do mundo – está diante da emergência da China que possivelmente, dado o seu projeto de desenvolvimento nacional, vem ocupando centralidade no mundo. O Brasil poderia fazer uma boa negociação, e vinha fazendo nos governos do PT, sem descartar os Estados Unidos, mas sobretudo criando um bloco de países – que tinha a China, mas também a Rússia e África do Sul – em um projeto alternativo expansão. Infelizmente, com o golpe de 2016, com o governo de Temer e agora de Bolsonaro, essa perspectiva foi abandonada e o Brasil vem se subordinando cada vez mais aos Estados Unidos. E com isso perde a possibilidade de protagonizar um ciclo de expansão com base no que vem ocorrendo hoje em termos internacionais.
Sabemos que hoje as cadeias produtivas são internacionais. Quais são as possibilidades, as implicações políticas e o papel do Estado nacional brasileiro numa possível retomada do desenvolvimento industrial?
Para quem vem acompanhando o panorama do Estado, a presença do Estado em vários países, reconhece que há uma retomada do papel do Estado nas diferentes economias. Aqui no Brasil, infelizmente, a leitura que se tem é uma leitura deturpada, que acredita que a destruição do Estado é a forma de resolver os problemas do país. Mas olhando em termos internacionais, se percebe que as empresas estatais vêm ocupando maior espaço entre as chamadas corporações transnacionais. Em 2005, por exemplo, cerca de 5% das 500 maiores empresas do mundo eram estatais. Em 2015, 25% das grandes empresas do mundo são empresas estatais. Portanto, cresce o número de empresas estatais entre as maiores empresas do mundo. Também existe um processo de reestatização de vários setores econômicos que haviam sido privatizados, como no caso dos setores de saneamento, água, luz, transportes… Então, se chega à conclusão de que o processo de privatização, que se estabeleceu praticamente desde os anos 1980, não produziu um padrão de vida melhor, ao contrário, levou a uma espécie de monopolização, oligopolização, dos setores privados que estabeleceram tarifas e preços de custo bastante elevados e serviços decadentes. Então, está em curso uma retomada do papel do Estado, com a expansão de empresas estatais. É claro que com outro tipo de governança, com mais democracia e participação. Infelizmente este debate nós não temos no Brasil. Mas é necessário resgatá-lo, porque ao invés da destruição do Estado brasileiro, a saída dos nossos problemas passa pela recuperação do Estado desenvolvimentista.